O Confinamento Nocturno Dos Portugueses Está Entre Os 85% E 90%

Num momento particularmente decisivo da tomada de medidas, nomeadamente no que ao potencial recolher obrigatório diz respeito, de acordo com o Painel de Mobilidade da PSE, o confinamento nocturno é um comportamento que já é natural aos portugueses.

 

confinamento das 22 as 5 1

Sobre o recolher obrigatório não será muito surpreendente que 81% dos portugueses apoiem o recolher obrigatório. Na realidade, a informação da PSE indica que perto de 90% dos portugueses, na semana 43, já não saia de casa, das 22h00 até às 05h00.

Aliás, nas últimas 7 semanas o confinamento nocturno apresentou sempre valores entre os 85% e os 90%.

 

PORTUGUESES RESPONDEM AO AUMENTO DA INCIDÊNCIA COVID-19

 

Já relativamente ao confinamento total e à mobilidade, 91% dos portugueses saem de casa durante a semana. Depois do confinamento do segundo trimestre, os portugueses voltaram a uma nova normalidade que se caracteriza por uma alteração dos hábitos e rotinas diários.

 

Esta alteração de hábitos é visível no confinamento médio diário.

 

confinamento

Apesar de ligeiro, o confinamento dos portugueses apresenta uma tendência crescente nas últimas 7 semanas, estando na semana actual num valor médio diário de 35% da população. O normal antes da pandemia rondava os 25% a 28%.

 

Esta tendência deve-se ao facto de existir feedback entre a mobilidade e a incidência COVID-19: Se por um lado mais mobilidade cria maior incidência, também é verdade que um aumento da incidência provoca a médio prazo um efeito de redução da mobilidade em alguns segmentos da população portuguesa.

 

Se o Confinamento Total aumentar a nível de abril, o impacto na economia será seguramente devastador. Mesmo antes de novas medidas do Governo, uma vez mais a consciência dos portugueses mostra que estão proactivamente a alterar o seu comportamento. Também antes da primeira declaração do estado de emergência muitas pessoas já estavam confinadas em casa. Agora notamos que há um maior esforço para seguir a vida, e equilibrar a sua vida normal com alguma proteção da saúde pública e pessoal.

 

MOBILIDADE É CRÍTICA PARA ACOMPANHAR A PROGRESSÃO DA PANDEMIA

 

Tendo por base a mobilidade real e as interacções dos portugueses, a PSE construiu modelos de propagação epidémica com base no agente (Agent-based models – ver nota metodológica abaixo).

 

Investigando o desenvolvimento da doença através de cada indivíduo, infeção a infeção, destacamos algumas das várias conclusões do estudo:

 

Sobre a Mobilidade em termos gerais:

 

  • A mobilidade explica 99,5% da progressão da COVID-19 no território
  • Se o número de casos suspeitos de infecção pela mobilidade individual aumentar 1%, o número de infecções aumenta em média 0.16%.

 

Sobre os Superspreaders:

 

  • Os Superspreaders (sendo indivíduos que contraem a infecção e são hipermóveis) são agentes com a capacidade de contagiar no espaço (como seria expectável!). Mais do que provocarem directamente volume de infecções, são agentes de contágio de outros indivíduos no espaço.
  • Os Superspreaders são agentes que claramente “plantam” a doença em locais no espaço. São agentes de dispersão. Este é o seu papel na disseminação da pandemia.
  • Os Superspreaders não são responsáveis directamente pelo volume de infecções diário. São já contactos secundários que produzem maiores níveis de infecção.

 

Sendo do conhecimento geral que um “Confinamento Total” tem um impacto naturalmente péssimo sobre a economia, conhecer os impactos que a mobilidade tem na progressão da pandemia revela-se fundamental para definir políticas que mantenham a actividade económica e simultaneamente que controlem a pandemia e evitem um Lockdown total ou mesmo parcial.

 

Mais do que ver a incidência actual nos diferentes territórios portugueses, através da mobilidade é possível prever as zonas de incidência futura.

Prever a incidência futura em função da mobilidade, bem como conhecer os perfis de mobilidade dos indivíduos aquando dos inquéritos epidemiológicos, podem dar contributos decisivos para o acompanhamento da pandemia e para a tomada de decisões.

 

 

Nota Metodológica

 

A PSE é a única entidade que estuda a mobilidade dos portugueses hora a hora, em contínuo. Afere diariamente o nível de confinamento no lar e as deslocações dos portugueses durante toda a pandemia Covid19. Neste sentido, torna-se possível estudar de que forma a mobilidade afeta a expansão da pandemia. Este estudo da PSE é um painel que implica uma APP instalada nos telemóveis da amostra participante. Tem um elevado rigor porque regista a localização via GPS, mas também porque se baseia numa amostra estatisticamente representativa do universo em estudo. Nota técnica sobre o estudo, no final.

 

Através do Painel de Mobilidade PSE, tratando-se de uma mediação contínua, é possível identificar não apenas a mobilidade individual, mas também as interações entre indivíduos. Para estudar o impacto da mobilidade na pandemia, a PSE aplicou os princípios e parâmetros dos modelos epidemiológicos clássicos aos modelos de propagação epidémica com base no agente.

  

  
Tipicamente, a grande maioria da literatura existente na área da epidemiologia e da saúde que procura aproximar a mobilidade à progressão pandémica, é baseada essencialmente em simulações de mobilidade. Não na mobilidade observada. A opção típica por exercícios de simulação de mobilidade é uma limitação que se justifica pela dificuldade de medir mobilidade efetiva.

É o exemplo do excelente contributo do trabalho de Hackl e Dubernet (2019), que utiliza um modelo baseado no agente (um modelo de contágio indivíduo a indivíduo) através da simulação da mobilidade.

 

Mais do que simular mobilidade, o que se pretende é aplicar a mobilidade observada pelo painel de mobilidade PSE ao modelo de propagação epidémico clássico baseado no agente.

 

A investigação adota uma metodologia Pooled SARAR (modelo espacial autoregressivo em painel), com base num painel dos municípios portugueses com observações semanais desde Março até Julho de 2020.

 

A PSE, através do Painel de Mobilidade PSE (nota técnica no final), tem vindo a acompanhar o comportamento de mobilidade dos portugueses (www.pse.pt), admitindo a possibilidade de aferir a forma como a mobilidade individual observada explica/não explica a progressão espacial da pandemia em Portugal. Para tal, aplicou-se a mobilidade individual observada, medida através de métricas no espaço, a um modelo clássico epidemiológico baseado no agente.

Os modelos epidemiológicos clássicos, normalmente descritos por equações diferenciais ordinárias, como é o caso do Epidemiological Model Susceptible, Infected and Recovered (SIR) e do Epidemiological Model Susceptible, Exposed, Infected and Recovered (SEIR), assentam numa divisão da população em vários compartimentos através dos quais se modela as transições de uma classe para outra.

A doença covid19 adopta, até agora, como únicas medidas de controlo o isolamento, o distanciamento social e a quarentena. O modelo SEQIJR (Siriprapaiwan, Moore e Koonprasert,2018) é uma generalização do conhecido modelo SEIR e a diferença perante este reside no acréscimo de duas categorias: Quarentena  e Isolamento. As medidas associadas à quarentena e ao isolamento são essenciais no controlo da epidemia pois tratam-se de métodos eficazes de reduzir o contato existente entre populações infetadas e suscetíveis.

 

 

Uma restrição que é apontada ao modelo reside no facto deste ignorar por completo os efeitos espaciais de propagação das epidemias e, como tal, despreza todas as interações existentes entre os indíviduos por modelar as populações como uma entidade contínua. Esta limitação torna-se importante pois, na presença de uma doença infecciosa, o comportamento individual deve ser levado em consideração na medida em que tem uma grande influência na dinâmica da epidemia.

Os modelos de propagação epidémica com base no agente (Agent-based models) admitem a existência de interações entre os indivíduos, intitulados como agentes, investigando o desenvolvimento da doença através de cada indivíduo, infeção a infeção. Com isto, uma condição necessária passa pelo rastreamento dos contatos que cada indivíduo toma com outros indivíduos em todas as àreas e redes sociais relevantes, como por exemplo, âmbitos de trabalho e de escola.

 

propagaçao 1

A Figura 2, presente no estudo de Jürgen Hackl e Thibaut Dubernet (2019), evidencia a disseminação da infeção ao longo de um dia, tendo por base a história de apenas um agente infetado. É observável que, ao longo das várias horas do dia, o número de agentes infetados (que se encontram assinalados a vermelho na distribuição espacial) aumenta.

Os estudos existentes na literatura, além de serem escassos, apenas são fundados em mobilidade simulada, através de exercícios de simulação que se baseiam no contágio individual de agentes ao simularem as suas ações diárias. Como tal, não se fundamentam em mobilidade real, como é o caso do estudo desenvolvido pela PSE.

Em suma, com base num número de infectados iniciais seleccionados aleatoriamente, o estudo foi identificar ao longo de todo o período estudado, todas as interacções entre agentes, e ao longo de toda a progressão e interacção individual, os indivíduos foram classificados como Susceptíveis, Expostos, Infecciosos, Recuperados, bem como colocados em Quarentena e Isolamento para melhor espelhar a realidade, seguindo o modelo SEQIJR, bem como simulados os parâmetros do modelo em função da prescrição conhecida e prescrita pelo conecimento científico para o caso dos surtos SARS (S. Siriprapaiwan et al., 2018).

O objetivo da investigação prende-se com o determinar se a forma como os indivíduos se deslocam e interagem está associada à dinâmica espacial de disseminação da doença que é observada e declarada diariamente pelos serviços de saúde.

 

Tendo em conta que os números de casos positivos desagregados por concelho começaram a ser facultados a partir do relatório de situação do dia 23 de março, a série para análise foi construída a partir desta data, que corresponde, no calendário anual, à semana 12 do ano 2020. Como tal, teve-se por base um painel semanal cuja unidade espacial é o concelho, com início na semana 12.

O objetivo é simples e claro: determinar se a progressão espacial da pandemia de COVID-19 em Portugal depende/não depende da mobilidade dos indivíduos e da sua interação.

Para estudar a possível existência desta relação, seguiu-se a abordagem econométrica Pooled SARAR (Modelo Espacial Autorregressivo com estrutura de Erro Autorregressivo), como é evidenciado através da seguinte equação:

 

euqaçao

Onde:

representa o número total de casos positivos declarados;

o número de suspeitos de infecção com base na mobilidade e interacções;

as variáveis dummy temporais;

a média dos valores de  para os seus vizinhos;

a média dos valores de  para os seus vizinhos,

a dependência espacial que se encontra presente no termo de erro e  o termo de erro idiossincrático.

Analisando o coeficiente associado à variável LN_INF_MOB, e sendo o mesmo altamente significativo, afirma-se que se o número de suspeitos de infecção através da mobilidade aumentar 1%, espera-se que o número de infetados observados aumente em 0.16%.

Deste modo, há indícios de significância estatística de que a dinâmica espacial esperada pela mobilidade ajuda a explicar a dinâmica espacial verificada nos vários municípios portugueses.

Da análise espacial realizada, tendo em conta os modelos econométricos estimados e os desfechos que se podem retirar dos mesmos, a principal conclusão consiste na prova da relevância da mobilidade observada como variável explicativa para a dinâmica espacial de propagação da doença. Além da importância desta variável, em todos os modelos se conseguiu provar que os coeficientes estimados associados a termos espaciais, por serem estatisticamente significativos, indicam a existência da dependência espacial e corroboram para a importância de não se ignorarem estes efeitos.

Ou seja, conseguimos provar que a dinâmica da mobilidade explica a dinâmica da pandemia.

Tratando-se de um contributo que fomenta a investigação contínua do movimento pandémico, o presente trabalho sugere que se continuem a desenvolver abordagens que permitam o estudo do fenómeno, tanto do ponto de vista quantitativo como do ponto de vista qualitativo.

Se a abordagem descritiva espacial demonstra a existência de correlação espacial forte na incidência de casos covid19 nos municípios, devem ser exploradas abordagens preditivas espaciais para identificar a localização de incidências futuras.

 

 

OBSERVAÇÃO:

Este estudo produz, desde 2019, dados que são aplicados, sobretudo, na aferição de audiência da publicidade exterior, mas também para auxiliar as câmaras municipais no ordenamento do território e na gestão de mobilidade e dos transportes. E ainda em estudos comportamentais de mobilidade e de “shopper”, para outras empresas e entidades. Os dados são continuamento produzidos, dia após dia.

 

NOTA TÉCNICA:

Este estudo é o painel da PSE, com recolha de dados contínua através de monitorização de localização e meios de deslocação via aplicação móvel de um painel de indivíduos representativos do Universo com mais de 15 anos, residente nas regiões do Grande Porto, Grande Lisboa, Litoral Norte, Litoral Centro e Distrito de Faro. Este estudo implica uma APP instalada nos telemóveis da amostra participante. Assim monitorizamos a deslocação real da população, em cada hora do dia. Este estudo é realizado 24 horas por dia. Os dados são obtidos de forma rigorosa, via GPS e com o consentimento da amostra monitorizada. Para um universo de 6.996.113 indivíduos residentes nas regiões estudadas a margem de erro imputável ao estudo é de 1.62% para um intervalo de confiança de 95%.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Arbia, G., (2014). A primer for spatial econometrics: with applications in R, 1ªEd. UK: Palgrave Macmillan UK.

Gumel, A.B. et al. (2004). Modelling strategies for controlling SARS outbreaks, Proc. R. Soc. Lond. Ser. B 271, pp. 2223–2232.

Hackl, J. & Dubernet, T. (2019). Epidemic Spreading in Urban Areas Using Agent-Based Transportation Models. Future Internet.

Perez, L & Dragicevic, S. (2009). An agent-based approach for modeling dynamics of contagious disease spread. International Journal of Health Geographics.

Siriprapaiwan, S. et al. (2018). Generalized reproduction numbers, sensitivity analysis and critical immunity levels of an SEQIJR disease model with immunization and varying total population size. Mathematics and Computers in Simulation. Vol. 146, pp. 70-89. Elsevier.

Timpka, T. et al. (2009). Population-based simulations of influenza pandemics: validity and significance for public health policy, Bulletin of the World Health Organization, SciELO Public Health, Vol. 87, p. 305–311.